A invenção do cronógrafo: uma história reescrita

Até alguns anos atrás, para qualquer pessoa com um pouco mais de interesse na área da relojoaria, o inventor do cronógrafo era Nicolas Mathieu Rieussec. Isso por que, no ano de 2008 a Montblanc lançou o modelo Nicolas Rieussec Chronograph em homenagem ao inventor do cronógrafo. Verdade seja dita, já está em tempo de corrigir essa homenagem.

Cronógrafo não significa nada mais do que “escritor de tempo”. É a junção das palavras gregas cronos que significa tempo e graph que significa escrita.

Antes da invenção do cronógrafo a marcação do tempo era feita com a utilização de um marcador. Uma marca no ponto inicial e outra no ponto final. A diferença correspondia ao tempo transcorrido na medição.

Naquele tempo, as corridas de cavalo eram vencidas por aquele cavalo que rompesse uma fita esticada na linha de chegada, não havia marcação de tempo. Era muito difícil prever um resultado de competidores que ainda não houvessem disputado em outra oportunidade.

Em razão disso o então rei frança, Luis XVIII, grande aficcionado por corridas de cavalo solicitou em 1821 ao relojoeiro francês Nicolas Rieussec um equipamento que permitisse medir com maior precisão as corridas. Nicolas ganhou a simpatia do rei por declarar-se publicamente contrário as condutas de Napoleão Bonaparte. E em virtude desta manifestação, em 31 de janeiro de 1817 Luis XVIII o declarou relojoeiro oficial do rei.

O equipamento desenvolvido por Rieussec era uma caixa retangular de madeira com um mecanismo interno de metal que exibia dois discos e dois botões. Um dos discos exibia marcações de 0 a 60 minutos e no outro marcações de 0 a 60 segundos. Um dos botões era responsável pelo acionamento do cronógrafo, enquanto o outro era responsável por pausá-lo. Embora portátil, não possui propriamente a versatilidade de um relógio de bolso, era grande para tanto e também não era um relógio. Em 1822 foi concedida a Nicolas Rieussec a patente para um cronógrafo medidor de segundos.

Reprodução do cronógrafo inventado por Nicolas Mathieu Rieussec.

Por 190 anos, Rieussec foi reconhecido no mundo da relojoaria como o inventor do cronógrafo.

Em maio de 2012 um leilão realizado pela Christie’s em Genebra reuniu uma importante coleção de relógios. Dois da marca Breguet atingiram cifras milionárias. Importantes e raríssimas peças da Patek Philippe e Rolex estavam entre as estrelas do leilão. No entanto, havia um instrumento um tanto que “esquecido” naquele catálogo, ainda que houvesse uma nota descrevendo o complexo instrumento denominado “Compteur de Tierces”, que significa contador de terços. O objeto produzido por Louis Monet, não parecia ter grande importância e possuía uma estimativa de venda baixa, cerca de 5000 francos suíços. Havia uma pessoa na sala de leilões determinada a comprar o cronógrafo: Jean-Marie Schaller.

Schaller é a atual CEO da Louis Moinet, a marca que foi revivida por ela em 2004, depois de apaixonar-se pela vida e obra de Louis Moinet através de um biografia que lhe foi presenteada. Schaller já havia tido sucesso fazendo renascer outras duas marcas suíças, a Daniel Roth em 1991 e a Perrelet em 1995.

Naquele dia o cronógrafo de Louis Moinet foi arrematado pelo valor de 62.400 francos suíços e junto com ele vieram alguns documentos muito importantes, dentre eles algumas cartas de Moinet que mostravam que ele havia criado o primeiro cronógrafo. Imediatamente Schiller e sua equipe iniciaram minuciosas pesquisas embasadas em documentos e nas punções da caixa que levaram a constatação de que o cronógrafo havia sido produzido em 1816. Reclamado o título para Louis Moinet, em 2013 a comunidade relojoeira o reconheceu como inventor do cronógrafo.

Louis Moinet nasceu em 1768 e faleceu em 1853, foi contemporâneo de Abraham-Louis Breguet, Abraham-Louis Perrelet e Nicolas MathieuRieussec. Recebeu treinamento de um mestre relojoeiro enquanto esteve na escola. Aos 20 anos mudou-se para Itália onde estudou arquitetura, pintura e escultura. Retornando para a França, tornou-se professor de belas artes no Louvre. Monet reviveu sua paixão pela relojoaria através de seu antigo professor com o qual passou a treinar a arte da relojoaria e fabricar finos relógios para alguns importantes líderes da época, tais como, Napoleão Bonaparte, Thomas Jefferson, James Monroe dentre outros. Em 1848 redigiu “Traité d’Horlogerie”, um ilustrador livro de referência sobre relojoaria que por muitas décadas foi indispensável para muitos relojoeiros.

O Compteur de Tierces foi desenvolvido por Moinet para auxiliar uma de suas paixões, a astronomia. O instrumento nunca foi desenvolvido para fim comercial, talvez por isso nunca tenha sido reconhecido como o primeiro cronógrafo. Equipado com um mecanismo que produzia 216.000 vibrações por hora, o cronógrafo permitia uma precisão extrema. Era possível mensurar intervalos de 1/6 de segundo. Um mostrador simples, com grafia nítida e sóbria dispunha no círculo externo com indicadores para medições de 1/6 de segundo, um sub-contador as 10 horas para medições de segundos, um sub-contador as 2 horas para medições de minutos e um sub-contador as 6 horas com grafias de 1 a 24 horas para medição de horas acumuladas.

O cronógrafo de Louis Moinet.

Louis Moinet produziu uma peça ao estilo de Da Vinci. Uma invenção a frente de seu tempo. Passaram-se muitos anos até que fossem comercializados relógios capazes de mensurar intervalos inferiores a um segundo. Talvez “injustiça” do esquecimento por tantos anos da invenção teria sido descuido ou desinteresse do próprio inventor. Louis Moinet produziu muitos equipamentos sem a intenção de comércio, muitos deles apenas para auxiliá-lo eu seus estudos e passatempos.

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